Bernard Noël
O cérebro disponível
Tradução de Cecília Schuback
TRECHO DO LIVRO
“A visão vai e vem nos nossos olhos como o ar vai e vem nos nossos pulmões, mas o que, por detrás de nossos olhos, equivale a esses pulmões? Sem dúvida é necessário que a respiração visual acumule em nós a experiência do nosso entorno e que a visão extraia da repetição das imagens as regras de uma relação que é uma primeira linguagem. Qual é o circuito que põe o mundo na cabeça e, de olhos fechados, permite que ele ainda esteja aí? Em que região do corpo esse aí está situado? Talvez essa pergunta nunca tenha se colocado por ser tão natural ver e conservar os traços da visão. É a partir do déjà vu que identificamos os elementos do visível, e é a respiração do visível que alimenta o seu reconhecimento. Entender como funciona cada área do cérebro, os neurônios e as sinapses, vem fornecendo respostas, mas como sentir que cada uma de nossas representações é também um objeto neuronal? Enquanto não estivermos dotados dessa percepção científica, é melhor confiar na natureza e reconhecer simplesmente que a circulação de imagens e sua preservação constituíram o espírito. E não foi nele que, aos poucos, a visão praticou a denominação ao inventar a linguagem?”