Pince-nez

“Chora o cosmorama, nem sequer rancoroso,
apenas como um gato sem caminho para casa:
o teu sorriso sucede a um dicionário; dá lugar
a um sonho de mar e heroísmo; vêm depois
uma manta, o doce odor da lenha, o velho pince-
-nez resgatado a Tchekov e a indispensável
compota de laranja.”

– Miguel Martins

“Conheci a poesia de Miguel Martins através do Changuito, quando de sua aventura desventurosa e também efêmera com a livraria Poesia Incompleta no Rio de Janeiro. Interessou-me imediatamente o lirismo impetuoso da escrita do Miguel, uma deriva que aproxima o verso bruto do delicado, garatuja, cãibra, choros de menino aflito e de homem desamparado, um azul muito azul, alguns gatos. Recebi então um conjunto de poemas para o qual havia dois títulos possíveis; já não sou capaz de puxar pela memória a outra opção, pois o pince-nez resgatado a Tchekov era o objeto que trazia um rosto antigo para perto das palavras. Convidei a Maíra Senise para transformar esse rosto novamente em garatuja, choro, cãibra e um vermelho bem vermelho. As imagens conversam com o clima catastrófico e com a operação arqueológica dessa poesia. Não deixa de ser uma edição egoísta (embora a distribuição seja gratuita), uma vez que a ideia inicial era satisfazer o meu prazer de leitora do Miguel e de admiradora dos traços da Maíra. A Zazie Edições tem o prazer de apresentar ao leitor brasileiro um pouco da poesia portuguesa contemporânea, essa que tem sido feita em surdina, em livros breves e preciosos.”

– Laura Erber