Imagens de crianças: modos de olhar

O ensaio de Renan Ji interpela os modos de olhar e dar sentido às imagens de crianças, a partir dos exemplos de fotografias de Sally Man, Lewis Caroll e das imagens do blogue brasileiro Criança Viada, que alguns anos atrás obteve grande visibilidade tornando-se objeto de ataques públicos e censura. Numa época como a nossa em que as crianças são fortemente expostas através de registros fotográficos instantâneos divulgados em redes sociais, uma reflexão sobre a fotografia que se dedica ao retrato da criança e a da infância torna-se muito valiosa.

O ensaio foi selecionado através da Chamada #01 de Ensaios Temáticos promovida pela Zazie Edições em 2019.

“Nos termos de uma história das imagens, as fotos de Sally Mann realizadas entre 1984 e 1991 podem ser consideradas um marco na forma como olhamos e fotografamos a infância. Em preto e branco, Emmett, Jessie e Virginia se apresentam com a nudez livre e inocente das crianças, tendo como pano de fundo a paisagem agreste do sul dos Estados Unidos. Ao percorrermos a série fotográfica, somos confrontados com as marcas do tempo e das vicissitudes no corpo e no semblante das crianças. As imagens cobrem um período que vai mais ou menos até os 12 anos de Emmett, o mais velho, e o primeiro ano de vida da pequena Virginia. A primeira dessas fotos que Mann considera realmente boa capta Jessie e seu rostinho inchado por picadas de mosquitos (Damaged Child, 1984). Observamos o inchaço na área dos olhos, desfigurando o rosto do menino – completamente desprotegido na relação frontal com a câmera. A foto causa impacto pela crueza com que expõe um capítulo da vida infantil que em geral poucos podem acessar.
No entanto a série, intitulada Immediate Family (1992), não se contenta com esse retrato peculiar. Narizes sanguinolentos, catapora, machucados, pele suja de lama, um pequeno corpo dormindo num colchão encharcado de urina comparecerão em inúmeras fotos. Não que sejam cenas incomuns à vida corporal da primeira infância, mas o que chamou a atenção do mundo da arte e da opinião pública foi como tudo isso se tornou objeto dos enquadramentos poéticos da fotógrafa.”

– Renan Ji

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