Amor colérico e relações monstruosas: Raduan Nassar e Sérgio Sant’Anna

Karl Erik Schøllhammer reflete sobre o discurso amoroso como questão literária a partir de textos de dois dos maiores autores brasileiros contemporâneos, Raduan Nassar e Sérgio Sant’Anna. A escrita desses autores mostra como “a literatura envigora, na experiência humana, a relação entre os afetos, as paixões, o amor e o saber”.

Sobre o autor

Com esta publicação a Zazie Edições gostaria de homenagear o escritor Sérgio Sant’Anna, falecido em 2020.

“O discurso amoroso volta sempre a narrar – recitar – a sua origem, os primeiros encontros, o que foi dito na ocasião, os olhares e as primeiras aproximações, numa tentativa de localizar o instante, já perdido, em que o desejo e o amor irromperam. Nessa característica intrínseca de refletir sobre a própria origem encontramos talvez um parentesco entre o discurso literário e o amoroso, já que os dois procuram uma expressão do que funda as suas “realidades”. Para o discurso literário, essa retrospecção se reflete como uma curiosidade metaliterária em relação ao fato estético, isto é, o afeto e o efeito que tornam real a ficção. No discurso amoroso, a procura dos amantes consagra os primeiros sinais a partir dos quais a história (récit) de amor do casal se inicia – embora essa realidade, esse referente, esteja ausente no discurso e se perceba como algo que só indiretamente se apresenta nele e que se distingue nos limiares do seu silêncio.
Quando o discurso amoroso, ao contrário, torna-se polêmico, e os amantes partem para a briga numa rotunda do “Eu te odeio”, como veremos de modo exemplar no romance de Raduan Nassar, mesmo a linguagem que rejeita também aproxima e estabelece pactos e contratos, até quando ela beira o extremo da violência. Aqui a criatividade para falar com todas as letras do que explicitamente não desejamos parece ainda maior que a vontade de falar sobre o que desejamos num discurso condenado a dizer o contrário.”

– Karl Erik Schøllhammer